Apresentando Diboita Kan

10-01-2021

E hoje vamos ter no blog a história de um jovem rapper cabo-verdiano, nascido na Ilha de Santiago mas que cresceu em Portugal, mais precisamente na conhecida Linha de Sintra (LS).
Consequência de más escolhas, foi "convidado" a sair de Portugal e a recomeçar uma vida nova em Cabo Verde. Neste momento o nosso convidado usa o RAP como forma de tirar de dentro de si todo o negativismo associado às más escolhas e tenta ser um bom exemplo para que os jovens que pensam que a Thug Life é glamourosa, possam ver que na verdade é uma vida de muito sofrimento e dor.

(NOTA DO BLOG: A entrevista foi toda em criolo e traduzida por nós. Ao Diboita, pedimos desculpas se na tradução perdemos ou tiramos alguma emoção as suas respostas, mas esta mesma tradução foi feita de modo a que a entrevista chegue a mais gente.)

Convosco, na 1ª pessoa, o mano Diboita Kain.

  • Mano, primeiramente, vou pedir que te apresentes aos nossos leitores e diz-nos quem é o Diboita Kain.

Sou um jovem rapper underground que cresceu em Portugal na Linha de Sintra(LS) e sou muito apaixonado pela música.

  • Vieste para Portugal muito novo. Como foi essa vinda para cá e com que idade? Vieste com os teus pais ou eles já moravam aqui? E moraste sempre na LS?

Fui para Portugal aos 11 anos ao encontro dos meus pais e de uma vida decente. Mas como muitos outros jovens, muito novo entrei para a vida de crime, deixei a escola e comecei a fumar, a beber e em más influências. Tudo isso na zonas de Chelas onde eu parava e fiz as primeiras amizades, antes de ir para linha de Sintra.

  • Lembraste de quando sentiste que a vida escolar não era para ti? E porque sentiste isso? Era porque não te sentias apoiado em casa e na própria escola ou porque a rua já te estava a chamar?

Para responder essa pergunta em primeiro lugar tenho de dizer que antes de amar a escola, eu já amava vida na rua. Sentia tudo isso porque achava que nas ruas ia ter um futuro risonho através do crime. Eu tinha apoio em casa, mas não foi o suficiente para travar a minha ambição de ser um criminoso e ao mesmo tempo um grande rapper.

  • Vida de Thug. Tu assumes claramente que entraste nessa vida e que eras, e vou citar um post teu: "Mi era um bandido ki desiste de escola nunca trabadja, ki longo de juventude pratica crime, bebi, fuma ganza, e anda mal acompanhado"
    Podes descrever como foi a tua iniciação nessa vida? Foi algo natural, já que andavas com malta da tua zona que já estava nessa vida?

Repito pela segunda vez e é a mais pura e triste verdade sobre a minha vida, não foi muito natural tendo em conta, que não tinha controlo e percepção das más influencias de que me rodeei, sendo eu estava numa fase de grande imaturidade.

  • E devido a essa vida, cais nas malhas da justiça com apenas 18 anos e cumpres os teus primeiros anos de cadeia. Em que ano foi isso e podes descrever qual foi o sentimento que tiveste quando entraste na prisão e ouviste aquela tranca atrás de ti?

Com apenas 18 anos já estava dentro da cadeia junto de assassinos, violadores, ladrões, burlões e isso com uma grande tristeza e sentimento de culpa. Tudo isso aconteceu em 2007 e foi a maior queda que dei. Lembro-me perfeitamente do barulho das trancas e do berro que dei, e que ouço até ao dia de hoje, mesmo estando em liberdade.

  • Quem foram os teus apoios para a tua "sobrevivência" dentro da prisão? Familiares? Amigos? Companheiros de prisão?

Os meus grandes apoios na cadeia foram a minha mãe (Odete) e amigos.

  • Essa pena foi cumprida na totalidade ou saíste em condicional?

Por mau comportamento e alguns desacatos dentro da cadeia, acabei por cumprir a pena até ao fim, infelizmente.

  • E é nesta primeira condenação que o RAP entra na tua vida e começas a escrever as tuas primeiras rimas? E como é fazer RAP dentro da cadeia? O sistema vê isso como uma forma de reinserção e apoia os presos ou é reprimido também?

Iniciei-me no rap durante a primeira pena de reclusão, na cadeia de Leiria, onde havia já muitos rappers como Zé Pikeno, Kba, Kats, Ghutto , Tsoname, Nico OG, Cronix Júnior e o nosso grande coordenador Fênix MentisAfro. Nós, como iniciantes do rap, já tínhamos várias rimas incompletas, e nos dias de pátio e no final das visitas, sobre a onda de fumo, rimávamos até ao encerramento. Escrever letras de rap na cadeia é uma forma de passar o tempo, e também uma maneira de nos libertarmos da dor de estarmos aprisionados. O Rap[TT1] sempre foi rejeitado pela dita sociedade e em muitos meios é conectado à música de bandido. Por isso quando te identificas como um rapper, as pessoas já olham para ti de uma forma diferente, e por isso dentro da cadeia nunca foi visto como uma forma de reintegrar ninguém, por mais talento que se tenha.

  • E entretanto ganhas a liberdade. Quanto tempo ficas nas ruas até seres novamente preso?

Por falta de uma verdadeira reintegração para poder voltar a viver na sociedade, voltei a rescindir no crime e acabei baleado num assalto. Fui novamente encarcerado, aos 23 anos, e desta vez fui condenado a uma pena de 7 anos pelo crime de assalto à mão armada, sendo que desta vez veio associada uma pena acessória de expulsão do território português por um período mínimo de 5 anos.

  • Achas que essa nova condenação foi devido à tua pessoa apenas? Ou achas que durante a tua primeira condenação o sistema prisional nada não fez para te preparar para a vida na sociedade novamente? E já agora, achas que o sistema prepara realmente os presos para a vida fora da cadeia ou o que querem é apenas o "castigo" pelo crime sem a ideia de reinserção?

O Sistema que nos prende não tem a mínima intenção de nos transformar em pessoas novas e de nos reintegrar na sociedade. A única intenção é castigar-nos e punir-nos, o que normalmente faz com que o criminoso que sai seja ainda pior do que aquele que entrou. Isso acontece em várias partes do mundo, os presos são vistos como uma máquina de fazer dinheiro e não como pessoas que erraram, por diversos motivos, e que podem ser reabilitados, caso sejam dadas as oportunidades para o efeito.

  • E como também vi nas tuas redes sociais, foi já durante esta segunda condenação que entraste mais a fundo no rap. Tinhas um álbum planeado e tudo mas não o chegaste a concretizar. Podes falar acerca disso?

Depois de ser baleado, comecei a sentir esse meu renascimento e com isso decidi transformar-me profundamente e começar a passar as minhas mensagens para o mundo. Se reeducar-me já era tarde demais para mim, aos olhos dos outros, decidi começar a educar os outros, que ainda podiam tomar um caminho diferente do meu. E nesse renascimento, descobri que tinha um grande potencial para fazer rimas e poesias, e com isso cheguei à conclusão de que nada acontece por acaso, e é assim que decidi contar a minha história. E a minha história tinha de ser contada e resolvi contá-la num álbum que chamo de "Arrependimento" e começo então a ordenar as minhas músicas que vão fazer parte deste álbum.

  • E agora temos de falar do Ghoya. Para mim, um dos maiores MC´s criolos na Tuga e que também esteve preso até recentemente. Conheceste o Ghoya na prisão ou fora dela?

Ghoya, kkkkkkkkkkkkk!!!! Ghoya é uma das pessoas mais importanteS que conheci na minha história de música.

Antes de ele ser "O Ghoya", o número 1, ele era um rapper vulgar e que apenas conhecia de vista, mas a nossa grande amizade começou mesmo na cadeia onde ele também já cumpria a segunda pena, assim como eu, e fizemos assim uma grande amizade... É aquele tipo de amigo que passávamos muito tempo sem nos falar, chocávamos muito e discutíamos bastante, mas porque temos ambos personalidades muito diferentes e fortes. E mesmo assim é daqueles grandes amigos que tenho na vida e não apenas pela música, mas porque através das nossas conversas fez de mim uma pessoa mais inteligente e, por isso, hoje sou muito grato por tudo que ele fez por mim... "PrOps mánu ghoya"

  • E como é conviver com ele? Ele ajudou-te nesta fase em que entraste mais a fundo no rap? E o que foi que aprendeste com ele e com o seu estilo de fazer RAP que trazes para o teu Rap? A mensagem crua, a verdade das ruas, a rima, a cadência ou a dor de toda uma vida sofrida?

Confesso humildemente que Ghoya, mostrou-me teoricamente como se faz rap e os seus objectivos. E cantando rap com ele e através das suas músicas, acabei cultivando o estilo dele, e é por isso que digo que sou "Ghoyado" e considero-o o meu herói.

  • E durante esta 2ª condenação veio a 3ª condenação, e talvez a mais dura de todas, que foi a tua extradição para Cabo Verde. Como foi que isso aconteceu e o que sentiste quando te disseram isso?

Isso foi tudo incluído com a condenação da prisão efectiva, foi logo uma pena acessória. Mesmo tendo de engolir isso, comecei logo a preparar o meu psicológico para tal. No início foi muito assustador, mas ao mesmo tempo agradava-me a ideia de voltar a Cabo Verde e ver como estava o lugar que deixei em pequeno e os amigos e tudo o mais.

Mas também tem o lado triste, de ter de deixar a minha Linha de Sintra por 5 anos. Mas como soldado com capacete, acredito que tudo é passageiro e de qualquer forma, quem tem Deus na vida, tem sempre um mundo de esperança. É como se diz, enquanto há esperança, há vida, não é?

  • Saíste da prisão directamente para a viagem ou pudeste despedir-te da tua gente?

Exactamente. Saí da cadeia directamente para o aeroporto, mas consegui despedir-me da minha mãe e da minha mulher, que me ajuda e muito nesta minha luta e na vida.

  • E este afastamento tem prazo? Ainda podes retornar a Portugal?

Possivelmente, mas só o futuro dirá. Mas sim, pela lógica tenho de voltar ao meu berço.

  • E como é hoje a tua vida em Cabo Verde? Trabalhas, estudas? O que fazes para te manteres financeiramente por lá?

Neste momento vivo com o apoio de familiares porque, como todos sabemos, a discriminação por ser rasta, "criminoso" reincidente e deportado, é grande e por isso existem vários obstáculos que me impedem de ter uma vida mais digna, mesmo 4 anos depois de chegar a Cabo Verde.

  • É uma situação pouco falada... mas podes contar-nos como te sentiste nos primeiros tempos quando chegaste? Imagino toda a pressão de chegar por aí e sentir toda aquela crítica, na cara ou escondida, que te foi feita. As pessoas vêem-te ainda como uma pessoa que "desperdiçou" a oportunidade de viver no estrangeiro (que é o sonho de muitos) ou pouco a pouco já não sentes essa "crítica"?

Sempre fui uma pessoa que nunca se importou muito com o que as pessoas pensam de mim, por isso essas críticas não me entristecem, principalmente porque nunca perco a esperança e tenho uma mãe que me dá muita forca e garra para que toda a queda fique mais "ligeira". (OBRIGADO MÃE).

Eu não sinto que desperdicei a oportunidade de crescer em Portugal, por isso não vejo como uma oportunidade já perdida, porque como disse o meu grande amigo Beto Di Ghetto (RIP), "Si na Vida tem um Discida tem di ter um Subida".

  • E agora vamos falar do Rap. Sentes que o Rap salvou a tua vida em que sentido? E achas que contar a tua história pode ajudar um jovem qualquer da mesma zona em que foste criado a fazer melhores escolhas do que as que fizeste?

O rap salvou mesmo a minha vida. Não me deu uma corda para eu sair do poço e nem apagou a chama enquanto eu ardia no Inferno, mas trouxe-me um cérebro novo e maduro. Essa foi a maior bênção que o rap me deu, a capacidade de escrever uma letra, de ler e decorar a letra, exercitando a minha cabeça de uma forma que considero ter sido a salvação da minha vida. E sinto, ou tenho mesmo a certeza, que ao contar a minha história, vou conseguir aconselhar e salvar outros jovens, e através de um rap consciente encaminhá-los para uma vida digna. E é para isso que canto hoje em dia, para combater estas "ideias" erradas do dia-a-dia que desencaminham muitos jovens.

  • Vamos agora falar do álbum Arrependimento. Do que mais te arrependes na tua vida? De entrar na vida do crime ou de decepcionar os teus familiares?

"npromete má cadia nunka mas nka ta bai

Para Di ser arugante dexa descute ku nha mae

Dia e note nha coração arependido

Nta promete Deus ma nta ser um nhaco rapazinho"

Esse é um refrão de uma das minhas faixas, que se chama "Arrependimento". E respondendo à tua pergunta, o que mais me arrependo nem foi de ter entrado na vida do crime, mas sim por magoar a minha família com os meus actos. Porque não sou e não serei o último criminoso, sendo que o crime pode sempre sair da nossas vidas, mas as sequelas que deixamos na nossa família são para a eternidade.

  • Este álbum foi todo feito na cadeia? Como que é que isso funciona? Como é feita a captação de vozes, a mixagem, os beats? Explica o processo para quem lê o blog.

O meu maior apoio e os grandes responsáveis por este projecto foram o L Guerrero e o Nigga B "Barezy", que fizeram tudo apenas em nome de uma grande amizade e paixão pelo Rap e sem esquecer os participantes, Jay Raça Negra, Rech Nigga ,"Djon Di Fatima" l guerrero ... Os beats foram todos retirados na internet, tanto por motivos financeiros como pelas exigências dos produtores que me obrigaram a trabalhar de forma mais amadora, já que em Cabo Verde, o dinheiro é que faz o Rap.

  • Onde imaginas estar daqui a 5 anos? E como?

Só o futuro dirá.

  • "No Brasil dizem que podem tirar o homem da favela mas não tiram a favela do homem". Sentes a mesma coisa? Que mesmo que te tenham tirado do teu bairro no Cacém, que nunca vão tirar o teu bairro de ti?

Uma das certezas que tenho é que sou do Cacém e "AKA até morrer". Sinto que o meu berço será sempre o meu Cacém.

  • O que podemos esperar de lançamentos do Diboita para este ano de 2021? Tens algum álbum ou EP engatilhado para este ano?

O "Mundo Di fantasia", o meu próximo projecto, já está a bombar na minha gaveta. Mas como um rapper underground e um mensageiro de intervenção, não estou preocupado com o dia e nem a hora em que vai sair. No dia e na hora certa e no seu respectivo momento, sei que vai sair e estoirar. Kkkkkkkkkkkkk!!!!

  • Imagina que os teus tropas, nas ruas ou na prisão , no Cacém ou na Boba, em Lisboa ou na Praia, estão a ler esta entrevista. Manda aí um PROPS mas daqueles que vão mesmo sentir-te.

Rapaz nsa na braco fundo

Mas fundo ki kou de põe dufunto

Ma ka tem ki nka ta pensa na nhoz tudo

Vida é um tiro na sukuro

Em pleno ez vida duro

Na gueto o na cidade, na céu o traz Di grade

Pá nhoz ntem love de verdade

Pá Ghoya é pá Moreno

Txapo ku Zé Pikeno

Fênix cronix souza ku Manga

Tudo rapaz de AKA

Pandemas ku djidju memas ku nani

Sodade ta pon ta pensa sempre si

Nsa li d azar Gana abraça edgar

Ivan duck kanto merda ki djunto no fute

Real mánu

Pá sempre bu nome na nha braço tatooado

  • Agradeço desde já a tua entrevista pela tua extrema sinceridade.
    E para finalizar, gostaria que deixasses agora umas palavras para aquele miúdo que tu foste, e que num momento da vida, tomou aquela decisão que pareceu mais fácil, mas que o condenou a uma vida de dor e mágoa e que agora se está a reerguer.

Se eu pudesse falar comigo, a primeira coisa que eu diria é que tenho orgulho em ser o Diboita Kain e que tenho a certeza de que sou de ferro, sem nenhuma sombra de dúvidas. Também gostaria de dizer que nada na vida acontece por acaso, e que todas as quedas são para nos fortalecer e nos tornar uma pessoa melhor, e que temos de aprender a sorrir em todos os momentos da nossa vida, seja no bem ou no mal.

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