Apresentando Jó Muhammad

E hoje vamos trazer ao Blog o Talentoso MC Jó Muhammad, um dos fundadores da melhor e mais consistente escola de Rap de Cabo Verde, Puva Rap.
Este rapper, originário de Ribeira Grande começou no movimento com o nome artístico de Nigga Jó, sendo um dos elementos do Grupo G-Rappers, com os quais lançou os seguintes trabalhos: Hora de Mudança (2006), Kotidiann (2008), "Kastel d Karta (2012) e por último Kódigo de Barras (2014). Esse foi o ano em que deixou o grupo e, apesar de já ter adoptado o nome Jó Muhammad, só o usou pela primeira vez aquando do lançamento do single Embora featuring Ailton dos Santos (2015). Em 2016, Jó Muhammad lançou a solo o EP Kórtex.
Entrevista:
· Quem é Jonino Moreira, quando e onde nasceu e quando que ele muda para Jó Muhammad?
Não mudei para Jó Muhammad. Passo a explicar: Meu nome é Jonino L. Moreira. Nasci a 4 de Maio de 1988. Jonino é uma aglutinação de dois nomes: João e Nina, como forma de expressar um vínculo entre os dois. Jó/Jô é abreviatura de Jonino. Enquanto que Muhammad é o meu nome artístico. Adoptei o nome porque significa mensageiro (o que de forma simplificada significa: Jó Mensageiro). E eu sou conhecido mais por causa do que eu digo no meu rap.
Filho de pais professores. Quando era criança o meu pai participava num programa de alfabetização, em que ele conduzia uma carrinha equipada com estantes de livros chamada: Biblioteca Móvel, sob o slogan "Um Livro, Um Amigo De Palavra" (ainda tenho a minha camisa) refiro a metade da década de 90[TT2] . Nos fins de semana íamos para as zonas rurais fazer entrega e recolha livros. O meu pai sempre me instigou o gosto pela leitura e a ter uma mente inquisitiva, por isso tenho problemas em aceitar dogmas e superstições, para que não neblinem o meu raciocínio.
· Quando é que sentiste esta necessidade de procurar "outras respostas" no Islão?
Comecei a procurar respostas no Islão quando fui exposto a vídeos do grande Louis Farrakhan. Gosto da fé e da raiz Afrikana do Islão por causa do Etíope Habasad Bilal Ibn Abad.
· Porque a pausa artística? (De 2016 a hoje podemos encontrar algumas participações em trabalhos de outros colegas como Mark Delman em 2017 Flesh n Bone; Rapaz 100 Juiz e Ary Kueca em 2019 Boicot).
Desde que não esteja parado, fazer uma pausa é sempre bom para a produtividade. Às vezes precisamos redefinir estratégias, objetivos e até mesmo de olhar para trás para sairmos dos "becos sem saída" do labirinto da vida. Não me ausento só das redes sociais. Por exemplo, em dezembro passado (2022), recebi uns livros de Anthony Browder e Cheik Anta Diop, ao notar o meu regozijo, o meu amigo Zé Preg disse-me: "Então, por uns tempos não vamos ver-te." Para quem gosta de leitura e pesquisa, as redes sociais não são um bom lugar para estar a toda a hora. Às vezes passo semanas, meses, até um ano sem logar nas redes. Actos aparentemente insignificantes, como não instalar apps do Facebook e do Messenger no meu telemóvel, fazem-me sentir melhor.
· Mesmo estando pouco activo do dito Movimento Puva Rap (M.P.R.), como vês hoje esse movimento? Desenvolveram-se da forma que idealizaram há mais de 15 anos atrás ou melhor que estavam à espera?
MPR (ou rap fet na Puva) está vivo e de boa saúde. Os primogénitos do MPR, como novatos que eramos, não tínhamos um objectivo específico. Não almejávamos awards (até porque na época não havia) nem spotlight. Queríamos apenas representar a nossa zona – Ilha, assim como os outros faziam e também quebrar alguns estereótipos. Assim, pavimentámos a estrada que os da nova escola caminham hoje, livres de estereótipos e como ponto de referência no mapa do HH Nacional e não só. Hoje com essa geração emergente podemos evoluir, ser mais organizados e ter um impacto social mais concreto.
Em Cabo Verde( São Vicente , pelo menos), percebo que todos que estão dentro do movimento, tem uma especial atenção e carinho por esta "escola" de Rappers. O que achas que deve isso?
Bom, penso que essa pergunta deve ser feita aos São-Vicentinos.
· Estive lá de férias(Santo Antão) em Agosto (2021) e acabei por participar de uma atividade de troca de ideias e de experiências, que juntou MC's de Santo Antão, incluindo dois de "Soncent". Com uma massiva participação de jovens na plateia, achas que falta espaços de debate e de conversa entre a New School e a Old school?
O nosso meio (cidade) é um meio pequeno que facilita o contacto entre as diferentes escolas de rap diariamente, assim partilhamos ideais e experiências naturalmente e de forma informal. Os New School podem não estar totalmente a par da história de Puva Rap, porque falhámos em não documentar o tempo histórico e cronológico de Puva Rap. Por isso, não o facto de não haver uma história documentada poderá enfraquecer a ideologia do movimento e perder as mentes dos rappers emergentes para as tendências fúteis do rap opaco.
· E agora falemos do teu álbum. Temos toda uma jovem escola que não toda uma velha escola [TT5] ansiosa pelo teu prometido álbum Libélula. Como andas a gerir isso e a produção do mesmo? E já tens alguma previsão para o lançamento?
Por ora, Libélula (o Álbum) encontra-se suspenso. Embarquei num projecto interessante com os meus dois produtores GolBeats e Todji intitulado 'ddx'. Durante este tempo estive, também, a estudar essa geração e a escutar rap da nova escola e trazer um rap 'atualizado'.
· Em que fase estão? Já existe a track list pronta ou ainda estás a escolher?
Sim. Para este trabalho (ddx) já há uma track list definida.
. Podes adiantar alguns detalhes? Beatmakers, Produtor
(es), MC´s convidados? Queremos saber tudo.
Os Beatmakers são os que citei acima. Quanto aos convidados prefiro revelar depois. Só adianto que tem participação de um gigante do rap Brasileiro.
· O que vamos ter de ti neste álbum? Um novo Jó Muhammad mais "macio" e mais "popular" ou o Jó de sempre, com aquelas letras e rimas corrosivas, colocando sempre as perguntas certas que incomodam muita gente?
Durante o meu percurso nunca fui o mesmo. E neste trabalho há mudanças sim. Cada lançamento é como que uma actualização da minha pessoa. Mas, deixo quem sentir essa mudança falar dela.
· De 2016 aos dias de hoje muita coisa mudou. Incluindo o rap Crioulo. Como vês essa evolução do rap Crioulo e esta nova escola que nos entra nos ouvidos com ou sem a nossa autorização? Sim, porque eles estão mesmo em todo o lado.
Hoje em dia (quer dizer, já em meados de 2010) a internet veio destruir o monopólio que a rádio e a TV tinham na divulgação da música em Cabo Verde, consequentemente houve uma inevitável explosão de produções do género Hip Hop, com e sem ruído, ambos influenciados pelos ideais de cada rapper.
Hoje em dia ser bom é a coisa mais fácil que há. Alguém pode ser bom, quase que da noite para o dia. Fazer rap tornou-se muito fácil. Os tempos em que vivemos permitem isso. O desafio hoje em dia é a criatividade. Cabe a cada um decidir se quer apenas ser mais um rapper bom, ou ser aquele que se destaca no que faz. Em relação ao objetivo do rap como ferramenta de difusão de mensagem de libertação mental e intelectual, tenho notado em muitos que a liberdade de expressão oral se tem tornado um desperdício de ar.
· E o que achas que podes acrescentar ao game? Porque nos tempos em que estamos, fazer uma "pausa artística" é quase perder a relevância, já que os ouvintes estão com tanta escolha que nem perdem tempo para ouvir trabalhos "antigos" e logo muitos deles nem sabem quem é o Jó Muhammad (salvo algumas exceções, claro).
Isso não é uma preocupação. Cada um define os seus algoritmos. Somos o que comemos.
· Vamos mudar um pouco de assunto. Como está Santo Antão? Quando vamos ter uma ilha das montanhas no lugar de destaque que merece no panorama nacional?
Bom, "Sintonton" como qualquer outro lugar é o reflexo da qualidade do povo que tem. Só as circunstâncias irão forçar a mudança na mentalidade das pessoas. E isto leva tempo.
· No teu Kórtex de 2016, tens várias críticas não apenas aos "partidos políticos", mas à população que continua sem ter a noção do seu poder. Mudou alguma coisa de lá para cá ou ainda temos uma população que insiste em não participar activamente na política e principalmente em não ter uma mente crítica.
Bom, eu não diria que o povo não tem noção do seu poder. Acontece que o povo se encontra dividido entre si mesmo, o que o enfraquece e favorece os partidos políticos e o mesmo povo é distraído com entretenimentos e outras jogadas políticas. Os Lobbies influenciam mais nas tomadas de decisões políticas do que o povo propriamente dito. Mas o povo, desinformado e entretido como está, nem dá conta disso. A nossa instituição de ensino devido ao currículo, não treina o individuo a desenvolver uma mentalidade crítica. Contudo, o povo está a mudar. No seu ritmo, mas está a mudar.
· Amarelo ou Verde. São essas as únicas opções que temos. Achas que quando tivermos esta mente crítica, poderão finalmente começar a aparecer opções "INDEPENDENTES" para as eleições em Cabo Verde?
Considero as campanhas eleitorais sujas. Porque dizem que o voto é secreto, mas os partidos insistem em distribuir camisas, chapéus, autocolantes com emblemas dos partidos e abrir postos de trabalho nas vésperas das campanhas eleitorais. Quem entende um pouco de psicologia está ciente do poder que as cores, música e imagem têm no cérebro do indivíduo inconsciente e do seu comportamento. Além disso os participantes ofendem-se uns aos outros constantemente para descredibilizar o adversário. Mudar mentalidades não é fácil, principalmente quando se trata de quebrar correntes invisíveis.
· Como é estar a trabalhar num álbum durante esta época de extremos? Onde se não gosto, sou obrigado a odiar? Onde se não estás comigo, estás contra mim? Sentes esta pressão de tentar trazer um trabalho que agrade a todos ou estás naquela fase da tua vida em que primeiro queres agradar a ti e só depois aos outros?
Bom, o meu público é mais para gente adulta devido à pertinência que eu abordo. Entretanto, procuro adaptar nos ritmos da nova geração, porque acredito que o instrumental não corrompe ninguém, mas sim o meio onde a pessoa alimenta a sua arte. Como disse o rapper da nova escola, Mojo: o dom deve ser acompanhado com uma dose de responsabilidade porque senão, paradoxalmente, o artista acaba por desorientar a mesma pessoa que o idolatra ou segue ou que simplesmente o escuta.
Não faço rap para ser aceite ou pela dopamina que a hype nos dá. Procuro reacção. Isso para mim já é muito bom. Quando comecei não havia redes sociais nem awards, que tornaram o rap numa competição que muitas vezes acaba por desfocar o artista. Logo isso nunca foi o meu objectivo, nem tão pouco isso dita a forma como faço meu rap (para ganhar presentes). "Ganhar presentes" é uma forma de controlo bastante antiga (na psicologia é chamado de reforço positivo), muito usada em muitos artistas Cabo-Verdianos como forma de boicotar a luta de emancipação mental do povo das ilhas.
Diz-me ai alguns nomes da nova escola que fazem um trabalho coerente e que tem chamado a tua atenção, sendo conhecidos ou não do publico. E já chegando ao fim da nossa entrevista, o que podemos esperar do Jó Muhammad daqui para frente? Mais alguns hiatos ou vamos te ver mais ativo artisticamente?
Tenho quase 20 anos de rap. Os meus feitos estão aí para quem quiser ver. Todavia, sinto que tenho mais contributo para dar. Porém, paulatinamente, essa ferramenta a que chamamos de rap, tende a tornar-se algo secundário porque tenho outros objectivos na vida. Minha mente está em constante mudança/evolução. Cada vez sinto mais vontade de fazer do que dizer (se é que me entendem). Sou licenciado em Literatura. No futuro a minha missão será de ensinar, mas num outro formato e deixar que a nova escola tome a tocha.
O que peço à nova geração, é que não só despertem o interesse pela leitura, mas também que seleccionem o tipo de literatura e autores que os ajudem a entender o tempo em que vivemos, para que evitem fazer um rap "emocionado". Porque assim como respirar ou comer, a leitura também é uma necessidade para nos ajudar a entender a nossa condição como povo e como indivíduos, para desenvolver técnicas de análise crítica, porque só assim ressuscitamos mentalmente e evitamos fazer um rap hidrogenado.
Deixa uma palavra para os que te seguem e que todos os dias te perguntam por novidades.
Peço aos ouvintes que tenham paciência. Entender que dependendo do grau de exigência, leva tempo para materializar o que o artista pretende expor. As pessoas fazem pressão para trazer novidades, mas não posso permitir que tal pressão me faça compor músicas que depois não apreciarei. Sim, porque um fã pode ouvir as músicas mais vezes do que o artista que as compôs, mas o fã não gosta das mesmas mais do que o próprio artista.
E por último, deixa uma palavra para o blog Fralda Pa Mundo, porque também gostamos.
Fralda pa Mund, é o tipo de jornalismo no hhkriol que sempre desejei no rap nacional.
A acompanhar a entrevista temos o novo video do JO, acabado de estrear nas redes sociais. Partilha.partilha.Partilha.
(NOTA DO EDITOR: As perguntas e as colocações seguem a opinião pessoal do Blog e apenas isso. Opiniões contrarias são sempre bem-vindas, desde que não sejam ofensivas.)