Entrevista com Nelson Graça AKA Perturbod

Nelson "Netcha" Graça aka MC Perturbod, com uma caminhada de mais de 20 anos no Hip Hop Criolo, e muito por dizer.
Conhecido por uns, "apenas" como o parceiro do Victor Duarte (VD) nos KGB Squad, lançou 4 álbuns em nome do grupo ("Labirint Psicologic", "Sment Real" "Independência ou Morte" e "Para além da Distância"), um trabalho a solo "Perturbação" e por último o Lalalandia, que é um trabalho colaborativo com Lulas,......... Conta também com inúmeras colaborações em diversos projectos dos elementos da sua crew, os LOD ESCUR (L.E.) e não só, o Nelson Graça aka MC Perturbod, é muito mais do que as pessoas pensam e para mim é daqueles protagonistas/players mais interessantes do Hip Hop Criolo, com quem tenho o prazer de partilhar e trocar algumas ideias.
Mano, muito obrigado por aceitares partilhar umas ideias aqui no blog, e prepara-te pois temos muito para conversar/partilhar e vamos começar já a disparar:
· A tua cara "bonita" e seres "fidje de gente conchid" ajudou a que fosses o "rosto" dos LOD ESCUR (L.E.) ou foste escolhido pelos teus colegas/parceiros por outros motivos?
Primeiramente, obrigado pelo convite. Espero poder contribuir para engradecer este grande, e há muito necessário, projecto.
Também aproveito para agradecer a parte da "cara bonita", é sempre bom receber um elogio (lol).
Respondendo à tua pergunta, quando se trata de promoção, ter uma cara bonita sempre ajuda a conquistar alguma clientela, e ser "fidje de gente conchid" em Cabo Verde sempre foi uma espécie de chave que ajuda a abrir portas e janelas quando estão bloqueadas... só que neste caso, esta "regra" não se aplica. Primeiro, porque LOD ESCUR nunca procurou representatividade através de um rosto e se esta fosse a opção, penso que o rosto escolhido seria o "Rosto de um(a) guerreir@ Caboverdean@" que reivindica e, se necessário, é escudo protector e motivador das camadas mais desfavorecidas da sua comunidade, em prole de uma sociedade mais justa e livre. E neste caso, talvez na foto iria aparecer o meu rosto juntamente com os outros 20 da família. Por último, "Ser Fidje de gente conchid" neste caso não ajudou em nada e se calhar até pode ter atrapalhado em alguns momentos, principalmente quando te apresentas como MC PERTURBOD e és membro de uma família chamada LOD ESCUR.
· Se pudesses descrever o teu papel na crew, como seria?
Dentro da família todos têm a liberdade de criação e de acção e tenho dado o meu contributo como Mestre de Cerimónia, Produtor Cultural, e pouco mais.
· O Lod Escur parece uma crew ninja, fazendo sempre jus ao nome "Escur". Sempre nas sombras mas quando aparece é sempre para ter impacto, já que estamos a falar de produtos que saiem sempre com qualidade, sejam álbuns dos seus elementos ou os vossos projectos sociais/de intervenção. Foram vocês que optaram por passar a ser mais discretos a nível de comunicação e mais actuantes a nível de qualidade do vosso trabalho ou foi uma evolução normal?
Tudo tem acontecido de forma muito natural, os nossos projectos e acções têm sido o reflexo da maturidade pessoal de cada elemento e consequentemente da própria família. Nunca fugimos da nossa ideologia inicial, mas devido ao aumento das responsabilidades pessoais de cada elemento, a nossa forma de actuar e timing empregue no desenvolvimento de cada projeto têm mudado.
· Em 2015 (?) tiveram a necessidade de lançar o EP "LE NEVER DIE". Sentiram mesmo que estavam a tentar "matar" a vossa história e tudo o que deram para o Hip Hop Criolo?
O EP "L.E. NEVER DIE" não nasceu de uma necessidade porque não temos nada a provar, foi sim, fruto das circunstâncias que vivíamos e, de certo modo, é uma reflexão e a tomada de consciencia do grupo em relação à qualidade dos trabalhos feitos porque "vai o homem e ficam as obras", condimentado ainda por algumas informações que chegaram ao nosso conhecimento e, por essas e outras razões, decidimos abordar este assunto/tema.
O nome do EP é controverso e penso que por isso tenha causado algum incómodo, como tudo o que representa L.E.
· Desde cedo conectados com o "mundo gangster", tiveram alguma vez a necessidade de ter um código de conduta para os vossos elementos ou sempre pagaram mais pela "fama" do que tiveram elementos metidos em "merdas"?
Muito lamentavelmente, fomos conectados a muitas coisas negativas durante essas duas décadas, por vezes se tratava de meias verdades, mas na sua maioria foram difamação e calúnias.
A família L.E. é composta por pessoas que nasceram e vivem nas mais variadas realidades sociais, o que nos permitiu partilhar, conhecer e estar em contacto directo e permanente com os vários problemas sociais vivenciados nas nossas comunidades. Por vezes, esses flagelos sociais foram vividos na primeira pessoa por algum elemento, familiar, vizinho ou amigo próximo e não há forma de se fazer um distanciamento da realidade que esta à porta da nossa casa.
O que tentámos manter foi sempre o respeito pelo próximo e deixar os problemas pessoais longe do seio do grupo. Não sendo possível, conjuntamente tentamos sempre encontrar a melhor solução. E as soluções encontradas nunca se passaram por repressão ou censura de qualquer elemento.
Só para acrescentar, gostaria de dizer que os rótulos que nos colocam e/ou colocaram são/foram os mesmos que colocam/colocaram às pessoas e comunidades que representamos, por isso, nunca tivemos nenhum problema em encaixar qualquer crítica ou estigma porque sabemos que sempre estivemos do lado certo.
· Ultimamente não temos visto os Lod Escur tão profícuo em lançamentos (excepto o Victor Duarte, que continua afiado e letal, sendo quase o CR7 do HHC). Há algum motivo especial para isso?
A resposta é simples, mas o contexto em que se gera é um pouco mais complexo.
Os elementos mais velhos da família estão prestes a completar 40 anos, são pais e chefes de família, as responsabilidades aumentam a cada ano. Sendo uma crew que não tem hierarquia e que se gere unicamente pelo amor à cultura e amizade entre elementos, é normal que em certos momentos a produtividade seja mais baixa, já que não existe qualquer pressão nesse sentido.
Victor Duarte é, como disse e bem, um caso excepcional. Tem sido o elemento mais activo nesta última década, mas se repararmos bem, neste período também tivemos uma forte presença e intervenção do Kleidir Fortes (M.A.X), bem como do Gerson Cunha (L.O.D.), e o trabalho de cada elemento acaba por nos representar a todos.
· E vamos ter um novo projecto dos Lod Escur; LOD ESCUR: 20 ANOS, 20 ALBUNS, ou alguma surpresa para os vossos 20 anos de existência? Porque pelo que sei a data considerada oficial para a "criação" dos Lod Escur é 13 de Março de 2001.
Infelizmente um projecto do tipo não será possível, primeiro porque esta cifra há muito que foi ultrapassada. Até à data desta entrevista, o nosso contador registava 37 trabalhos discográficos disponibilizados para escuta livre em "lodescur.bandcamp.com", o que representa uma produção de quase 3 dezenas de obras em 10 anos. Como isso, LOD ESCUR deixa de ser apenas uma família ou a primeira família, Lod Escur é agora uma instituição. (lollll)
A razão pelo qual continuamos subvalorizados, dava um bom assunto para uma dissertação de Mestrado.
· E será que vais ser tu a explicar-me a confusão (a vossa versão) que houve entre os Lod Escur (ou alguns elementos da vossa crew) e o evento Rappers Unid?
Broo, o maior inimigo do movimento Criolada são os seus próprios protagonistas e não me excluo a mim nem a minha crew desta afirmação.
O evento RAPPERS UNID, há que se reconhecer que, foi e até hoje ainda é o maior e mais importante marco em termos de evento do movimento RAP CRIOL, atrevo-me até a dizer, em todo o território nacional. A ideologia e o conceito do evento são singulares e necessários, mas infelizmente não se materializa na prática.
Em relação ao acontecimento apontado, quero apenas dizer que não foi a única ocorrência lamentável que se gerou nessa altura, mas também não foi a mais grave. A sequência desses acontecimentos vieram a culminar no primeiro grande, e talvez o único grande, Beef no Rap em São Vicente.
E adivinha?! Apesar da família LOD ESCUR ter claramente saído "vencedora" desse beef, pelo facto de nunca termos dado muita importância à nossa imagem, fomos também os mais prejudicados.
A história sempre beneficia quem a escreve e não quem a forjou ou ajudou a forjar. Sei que será difícil, mas espero estar a tempo de repor algumas verdades.
· Achas que sendo erroneamente conectados a este lado gangster, fez com que vocês não tivessem o reconhecimento público de acordo com a vossa importância no movimento?
Penso que sim, isso também contribuiu, mas há outras causas para este desfecho, algumas delas já foram comentadas em respostas anteriores.
· E achas que pode também ter sido por culpa própria, já que não conseguiram descolar essa opinião de vocês?
Também foi culpa nossa, não porque não desfizemos esse equívoco, porque a nós pouco nos interessa o que os outros pensam, mas sim porque não fomos ágeis o suficiente para perceber que responder apenas com trabalho não chega (era o nosso foco) e que é necessário muito marketing, publicidade e marcar posição rapidamente quando muitas vezes o nosso nome foi apagado da história que estava sendo escrita.
Em semelhança à exclusão da real história Africana dos manuais da escola, LOD ESCUR também não tem sido incluído na história CRIOLADA. Em relação à História Africana temos apenas a vantagem de os protagonistas ainda estarem vivos, e terem o curto "período decorrido" como aliado para poder repor a verdade dos factos e reescrever esta mesma história.
· Saindo do Universo Lod Escur e entrando no Planeta KGB Squad, pelo que sei não és um dos elementos iniciais do grupo mas entraste depois. Podes contar a tua entrada no KGB Squad e como chegaram à dupla atual?
Pois não, eu sou o 4º elemento dos KGB Squad. O grupo foi inicialmente fundado por Victor Duarte, Paulo e Joelson aka Makaroff, o último ainda teve a oportunidade de ver a sua voz registada na primeira faixa musical gravada pelo grupo (Virus d'Sociedade).
A minha entrada no grupo foi invulgar. Eu e o VD vivíamos em Maderalzim e como estudávamos no mesmo liceu, costumávamos regressar juntos a casa. Durante essas caminhadas, sempre com alguns desvios pelo meio, eu e o VD tivemos a oportunidade de muito conversar e descobrir o que tínhamos em comum e o HIP HOP era algo que partilhávamos com igual paixão.
Num desses dias ele convidou-me a entrar para o grupo dele, e de forma irónica respondi-lhe que apenas sabia cantar o Hino Nacional e que aquilo não era para mim. O resto aconteceu de forma muito natural, quando dei conta já pertencia aos KGB e estava a gravar a minha primeira rima em casa do EJ (membro dos Beat Wizardz). Lembro-me que nesse dia que todos ficaram boquiabertos com um Story Telling que cuspi em cima do beat. Desde essa data nunca mais parei.
· Antes de entrarmos verdadeiramente nesse tópico, esclarece-me uma dúvida: entraste antes ou durante o processo de criação do "Labirint Psicologic"?
Entrei antes. Quando entrei, o grupo ainda não tinha gravado qualquer som e não tenho memória que já tivessem algum projecto em mente.
· Considerado até hoje uma das Masterpiece do HHC, como foi lidar com a frustração de sentirem que não puderam desfrutar deste álbum? (nota: o lançamento do álbum coincidiu com a ida do Victor Duarte para o Brasil para fins dos estudos superiores)
Penso que um dos melhores momentos de um trabalho discográfico é durante a sua concepção (escrita, produção e gravação) e dos 4 trabalhos do grupo, este foi o único que pudemos disfrutar da companhia física (no mesmo espaço) um do outro, e talvez este tenha sido o factor fundamental para o fortalecimento da nossa relação. Os laços e a cumplicidade que se criaram durante esse período jamais poderão ser apagados. Infelizmente, não tivemos a oportunidade de dar continuidade ao trabalho e fazer a promoção que esta obra merecia. A família LOD ESCUR se encarregou da continuidade e, de forma muito altruísta, conseguiram que a chama desse trabalho se mantivesse acesa por muito tempo, mas era necessário que estivéssemos presentes para dar continuidade.
· E já agora, quase 20 anos a cantar o "Hino Nacional". Posso parabenizar-te por isso? Para quem apenas sabia cantar o hino quando começou, podemos dizer que tens feito uma boa caminhada.
Muito atrevimento da minha parte. (lolll)
Sinto que fiz o melhor que pude, tentei sempre ser o mais real possível e penso que o resultado está à vista. A bem ou a mal, é possível reconhecer a minha assinatura em qualquer beat que eu tenha "cuspido". E não foram poucos.
· E como foi a tua estreia num palco? Pelo que sei, o palco até caiu por causa do peso que carregavas nos ombros (ehehehehehhe.). Conta-nos também esta história.
Broo, para além do nervosismo que sentia lembro-me muito pouco desse dia. Na memória mantém-se presente um misto de alívio e raiva por ter de se adiar a estreia.
Muitos dos primeiros palcos que pisámos eram precários, já cantámos em palcos feitos com caixas de refrigerantes com tábuas de madeira em cima, já cantamos com microfones que apenas reproduziam ruído. Mesmo assim, tínhamos a coragem de ir a todas as actividades que tivéssemos conhecimento e por vezes, quase implorar, para ter a oportunidade de pisar e disfrutar desses palcos.
· Sei que este álbum tem inclusive uma história que inclui a nossa diva maior, a Cesária Évora. Queres contar esta história aos nossos leitores ou é para manter nos segredos dos Deuses?
Pois é, o álbum "Labirint Psiclogic" foi abençoado pela nossa Diva maior, Cesária Évora.
Lembro-me que quando foi decidido materializar o álbum em CD saímos à rua para procurar patrocínios. E foi a Cesária Évora quem nos agraciou com a quantia que restava para conseguir uma impressão profissional das capas numa gráfica da ilha. Ficámos tão contentes com o seu gesto que não sabíamos como agradecer. Finalmente, tinha acabado o sofrimento de sentir portas fechando nas nossas caras.
Quando o CD ficou pronto, a primeira coisa que fizemos foi ir entregar-lhe uma cópia. Essa cópia foi parar às mãos dos responsáveis da Label Harmonia, label que representava Cesária Évora, que gostaram e quiseram convidar o grupo para o Festival da Baía das Gatas, o maior palco de música de Cabo Verde. Para pena nossa, eu já estava em Portugal e Victor Duarte no Brasil, todos prosseguindo com os seus estudos.
E no seguimento deste acontecimento, nasce o maior "golpe de estado" (des)registado na história do Rap Criol. Para mais informações, por favor esperar por cenas do próximo capítulo!
· Qual o impacto que a forma de produção deste álbum teve em todos os álbuns que saíram depois? Porque se escutarmos o tipo de rap feito até ao "Labirint Psicologic" e os que saíram depois, percebemos claramente uma mudança de paradigma.
Esta é uma boa questão e mais uma vez seria necessário um estudo dos factos para se poder responder com precisão.
De qualquer forma, o que te posso dizer é que do ponto de vista dos instrumentais, este trabalho veio trazer uma nova dinâmica ao movimento. Os ritmos e as melodias incluídas neste álbum estavam anos à frente do que se fazia na época.
No final dos anos 90 e início do ano 2000 a maioria dos grupos cantavam em instrumentais de artistas estrangeiros e ter tido o privilégio de ter instrumentais próprios, e neste nível de elevação, foi uma bênção que terei de agradecer eternamente.
Em termos do conteúdo lírico apresentámos novos temas, novas abordagens, novos flows, nova dinâmica, novos conceitos. Penso que já se sentia a falta de uma injecção de frescura no movimento e foi isso que o trabalho apresentou.
Isto tudo aconteceu entre 2000 e 2002 e os protagonistas foram miúdos com idades compreendidas entre os 17 e 21 anos.
Selo Lod Escur e Zona Norte Infortainment (na altura entretainment).
· "Vírus de Sociedade", quase 20 anos depois este som continua a ter em mim o mesmo efeito. Como foi o processo de criação desta obra? Conta-nos o processo deste que é um dos maiores destaques deste álbum. Na letra dizem que "a nossa missão é educar", achas que já chegaram lá ou na verdade estamos pior do que estávamos há 20 anos atrás.
Esta track retrata uma realidade intemporal na nossa sociedade, pelo simples facto da nossa característica como insulares e vivermos numa sociedade muito pequena, onde toda gente se sente no direito de opinar sobre a vida do outro e de julgar suas acções. A janela da nossa casa é vista como a tela de um televisor que passa uma telenovela 24 horas por dia, onde os protagonistas são os nossos vizinhos. Nessa situação, é claro que as pessoas se sentem até na obrigação e/ou dever de opinarem sobre o que deve fazer ou não o seu vizinho. (lolll)
Penso que as pessoas tenham mudado um pouco em relação a este aspecto, devido à diversidade de entretenimento que é possível encontrar nos dias de hoje, o "vírus" sofreu uma mutação e encontrou novas formas de actuar.
Acreditamos que através das líricas podemos educar e na senda da educação criámos a label Zona Norte Infortainment, que para além do entretenimento, através da produção e promoção cultural, o nosso foco também é a (in)formação. Após vários anos, continuamos a afirmar que a nossa missão é "EDUCAR", pois, ainda se denota uma imensa lacuna no nosso sistema educacional, provocado pela miopia, falta de sentido de Estado enquanto africanos e isso é fruto da incompetência e/ou falta de brio dos sucessivos governos que continuam "a fazer copy/paste" do sistema educacional de outros países que em nada têm a ver com a nossa realidade/necessidade. Mas, como disse Amílcar Cabral "A luta continua" e cada elemento na sua frente de combate. Alguns são empreendedores, outros simplesmente artistas, psicólogos, engenheiros, empregados por conta de outrem e desempregados, mas todos partilhámos do mesmo: através da educação teríamos/teremos igualdade de oportunidades e uma sociedade justa e equilibrada. Acredito que nenhum de nós quer que o nosso próximo e nossos descendentes passem pelas dificuldades e barreiras com que nos deparámos e a solução passa, com certeza, por uma educação sustentável, vocacional e direccionada para os eixos de desenvolvimento estratégicos do nosso país.
Regressando à canção em si, para ser sincero, não me lembro do processo de criação da música, talvez devido ao facto do processo de gravação ter sido muito penoso. Foi a primeira música gravada para o álbum "Labirint Psiclógic" e teve uma duração de 7 horas. Nessa altura uma faixa com 3, 4, 5 ou 6 artistas era gravada num único take e isso significava que se o último a gravar errasse na sua parte, a gravação teria de ser toda repetida desde o início.
Numa outra faixa do álbum, lembro que eramos 5 MC's a gravar, one take, tínhamos apenas um par de escutas que por azar funcionava apenas num dos lados, e para complicar dispúnhamos apenas 30 minutos para gravar a música. Deixo o resto com a vossa imaginação.
· E já pensaram em uma remasterização deste álbum? Quem sabe para comemorar os seus 20 anos, que é já daqui a um ano.
R: Nunca pensámos nisso, eu e o VD já ponderamos remasterizar outros álbuns dos KGB mas não este. O que nunca aconteceu porque sempre tivemos em mente que o preferível é gravar um álbum novo.
Cada obra nossa, com as limitações todas de qualidade que tiveram, representa uma fase da nossa vida, as dificuldades em os materializar representam nosso crescimento e o lançamento dos mesmos são marcos na nossa história. Nunca sentimos a necessidade de fazer um make up da nossa história porque temos estado muito ocupados vivendo-a, assimilando-a e registando-a, por isso, pensamos que enquanto houver sumo nas nossas laranjas é melhor aproveitar o néctar fresco e suculento, do que tentar fazer suco como néctar que se calhar já está um pouco mais azedo e/ou ácido.
· Poucos sabem, mas a Jennifer, hoje uma das grandes vozes femininas em Cabo Verde, teve uma participação REAL no álbum. Podes contar como foi a vossa história com ela e como foi a entrada dela neste álbum?
Pois é mano, a grande Jennifer Solidad fez o seu primeiro registo discográfico juntamente com os KGB Squad no som Liberdade, um dos hits do álbum.
LOD ESCUR tem sido sinónimo de bom presságio para jovens artistas que gravam connosco. Se não estou em erro, a Ceuzany e a Jossylin também viram as suas vozes registadas pela primeira vez em um trabalho discográfico, em álbuns produzidos sob o selo da LOD ESCUR. Por isso, jovens aspirantes a cantoras que pretendam ter uma carreira de sucesso no mundo da música, a primeira coisa que devem garantir é que a vossa primeira gravação seja em um trabalho sob o selo da L.E. (lolllllllll)
· Ouvi uma história, que não sei bem contar, mas sei que é mais ou menos assim: Vocês gravavam na Rádio Nova, de uma forma escondida, e foram gravar um som quase de madrugada. E como era um som com a Jennifer tiveram de ir chamá-la a casa dela. Podes contar os detalhes? E COMO ASSIM GRAVAR ÀS ESCONDIDAS NUMA RÁDIO?
Gostaria de aproveitar a oportunidade e agradecer à Jennifer por nos ter abençoado com a sua presença nas músicas que ela gravou connosco. E depois dizer que, quando começámos a cantar/gravar, a Rádio Nova (emissora Cristã de Cabo Verde) era a única opção com relativa qualidade para podermos registar as nossas músicas. Pagávamos uma taxa para um tempo limitado de gravação (30 minutos ou 1 hora).
Por uns tempos, a Rádio Nova proibiu as gravações e tínhamos "um esquema" onde conseguíamos acesso às escondidas, de madrugada, e lá conseguíamos gravar as nossas músicas.
A gravação com a Jennifer calhou nessa época e por ser em hora imprópria, comprometemo-nos a ir buscá-la a casa. O combinado era que à hora combinada ela deveria sair e nos encontrar à porta de casa, só que se deixou adormecer e lá estivemos algum tempo à espera. Já aflitos porque não podíamos tocar à campainha, nem gritar pelo seu nome (algo muito normal na altura) porque iria sair de casa sem que dessem conta, começámos a assobiar e nada. Por fim, a solução foi atirar pedras a uma janela que supostamente seria do quarto da Jennifer. Por sorte ela acordou, não sei se pelo barulho das pedras, mas por fim pudemos rumar à Rádio Nova (com algum atraso) e enfrentar mais uma aventura que seria lá entrar sem sermos vistos e gravar uma das melhores faixas do álbum que é a música LIBERDADE.
· Mais que um irmão? Como defines a tua relação com o Victor?
Não há definição para a relação que tenho com o Victor, é algum muito invulgar, algo involuntário, algo (sobre)natural. A prova disso é termos feito 3 álbuns quase sem nunca estarmos no mesmo espaço físico e mantermos as ideias conectadas ao nível que é visível nos nossos trabalhos.
O nosso 2º algum foi feito em condições ainda mais difíceis que o primeiro. Eu já vivia em Portugal, o VD no Brasil e o álbum foi todo gravado com muita limitação na comunicação. Já havia internet, mas ainda estávamos no tempo no Napster e Myspace onde uploads e downloads eram tarefas de ficção científica. Gravámos um álbum fazendo troca de projectos musicais em CD's e DVD's através de correio que passavam por 3 continentes. Mais do que o resultado, o processo foi o ponto que fortaleceu em muito a nossa união como indivíduos de KGB (Karma d'Gente d'Bem).
· Como é possível manterem esta amizade tão viva em real, se em 20 anos vocês conseguem contar os dias em que estiveram fisicamente juntos? Qual é o segredo para que consigam ter esta química até hoje?
Os meus pais e a mãe do Victor já se conheciam desde adolescentes e eu tive a oportunidade de conhecer a família Duarte quando eles regressaram de Cuba para viver em Cabo Verde. Portanto eu e o VD nos conhecemo-nos desde os nossos 13/14 anos, isto muito antes do RAP e KGB Squad.
A nossa amizade não é algo que se consegue descrever com precisão fazendo uso de apenas palavras. Mesmo para quem está habituado a descrever os seus sentimentos para o papel, é-me difícil dizer. É algo que apenas se sente, não se pensa, não se programa, não se esforça para que funcione, apenas se sente e se agradece por ser assim.
· E para quando o 5º álbum? Têm algum plano para o efeito ou nem por isso?
A 5ª obra já está em andamento e vai-se chamar "Trabalhar para Garantir a Felicidade Absoluta e Plena dos nossos Filhos" (lolll).... Brincadeira... já conversámos sobre isso e queremos fazer um 5º e talvez o último álbum dos KGB Squad, mas de momento temos estado tão ocupados em garantir o pão, a educação e a saúde dos nossos filhos que este projeto não entra na lista das nossas prioridades.
· Pelas minhas contas, temos já 6 descendentes dos KGB Squad. E os descendentes já saíram nos vossos álbuns. Será que ainda vamos ter um grupo chamado "Fidge de KGB Squad", com sons em dinamarquês e criolo?
Desculpa, mas terei de decepcionar-te uma vez mais, as tuas contas estão erradas.
KGB já tem 7 descendentes e penso que posso falar em nome dos dois se disser que nos sentiríamos realizados se o som que se escutar vindo deles for "Felicidade", sendo em grupo ou em carreiras solo.
· E entrando no mundo Rap NEW School. Como tens visto esta nova geração do HHC? Algum nome que conheças e queiras destacar?
Yo, eu sou um fanático do RAP Criol e tento acompanhar o mais próximo possível o seu desenvolvimento. Tenho visto muito potencial a surgir no meio dos que agora se iniciam nessas andanças.
Não sei bem como definir a nova escola e nem dizer quem é a nova e quem está deixando de ser nova escola. Deste modo, dir-te-ei quem tenho ouvido:
Dos mais novos (que já não são tão novatos nestas andanças), tenho curtido e acompanhado o N.I.Abensuod, Nho Raff, Sné, Kiddye Bonz, Revan, Inzays, Mark Delman, entre outros.
Depois temos os que iniciaram há poucos anos e que têm trazido trabalhos muito interessantes, como o Bigui, Zedy, Raff Luke, Rui César e todo o pessoal das Batalhas K.O.
Revejo-me em muitos deles quando iniciei esta caminhada e tento por isso sempre estar presente e contribuir com o possível.
· Numa entrevista aqui no nosso blog, o GG, considerou que neste momento o Rap feito na Praia/Santiago, tem estado mais forte e consistente que o Rap feito no resto do país. Qual é a tua opinião acerca desta consideração?
É possível que seja verdade. Eu não poderei dar uma opinião válida sobre este assunto porque tenho estado "offline" nos últimos tempos.
O que posso acrescentar é que tenho um grande respeito por todos os MC's da ilha de Santiago, principalmente por aqueles que têm feito um trabalho sério ao longo dos últimos anos, não só em termos musicais, mas também nas suas comunidades. Temos exemplos que poderão ser reproduzidos nas demais ilhas.
· Não podemos negar que atualmente um dos MC´s mais em voga é o Mark Delman. Sem entrar na parte técnica, ou se curtes o rap do mesmo, como vês o crescimento do mesmo? Por exemplo, eu acho que ele é dos MC´s que mais tem uma real visão de profissionalismo, na vertente de ganhar dinheiro com o que faz.
O crescimento do Mark Delman é um crescimento normal para quem tem o potencial daquela dimensão e trabalha com humildade e muita dedicação. Desde a primeira vez que o ouvi, fiquei espantado com a originalidade e estilo. Hoje estou espantado com o trabalho e os resultados. Estando a viver em Portugal, ele com certeza terá à disposição outras ferramentas que o auxiliarão a seguir o seu percurso e a alcançar outros voos, outros objectivos.
Mas gostaria de afirmar que tenho igual admiração por todos os outros rappers que tiveram a coragem e decidiram fazer do Rap o seu principal ganha pão, refiro-me por exemplo ao trabalho do Batchart, Hélio Batalha, Ga Da Lomba, Kiddye Bonz e poucos mais.
Não é uma decisão fácil, os riscos são imensos e há um mar de indecisões em termos de futuro, por isso, a eles tiro o meu chapéu.
· E qual é o melhor caminho para os MC's começarem realmente a ganhar dinheiro com os trabalhos feitos? Não estou a falar de viver da música, mas pelo menos a não "perder" dinheiro na altura de lançar um projecto, entre gastos com beats, produção, masterização e outros.
O melhor caminho é juntarem-se, rodearem-se, aliarem-se a/de gente que confia na sua potencialidade e que tenham a mesma vontade de sacrificar tudo para trabalharem, com o mesmo afinco, em prol de um objetivo comum. Esta fórmula nunca vai falhar.
· E já agora, achas que os valores praticados em CV para beats e produção estão de acordo aos ganhos que os MC's têm?
O valor de um trabalho só deve ser definido por quem o produz, não deve ser regateado ou colocado em causa o preço estipulado. Ou se aceita e se avança com o negócio ou não se aceita e se procura outra solução.
E a resposta para os MC's que querem ganhar dinheiro com a sua música, a fórmula foi apresentada na resposta anterior.
· Manda aí um props para a tua tropa LE espalhada por este mundo fora e também para os nossos leitores.
Para todos os meus irmãos de LA FAMILIA deixo aqui um abraço e o meu agradecimento por fazerem parte da minha vida e da minha caminhada. L.E. WILL NEVER DIE.
Para os leitores, principalmente para aqueles que tiveram a paciência de ler esta entrevista até ao fim, o meu especial obrigado pela atenção e consideração. Tenho a certeza de que muitos de vós, são os que realmente têm contribuído para manter o HIP HOP CRIOL VIV.
· E como sempre, para finalizar podes deixar alguma mensagem para o blog em específico?
Para o blog, um obrigado pelo convite e pelo magnífico trabalho de tem desenvolvido. Big Up... No t djunt (literalmente).