Victor Duarte By Fralda Pa Mundo

02-05-2021

E depois de muitas idas e vindas relativamente a esta entrevista, finalmente conseguimos ter o Victor Duarte (VD) em 1ª pessoa no Blog D'Fralda pa Mundo.

Não me interpretem mal e se ponham a pensar que o VD algum dia recusou ou evitou dar uma entrevista ao blog, simplesmente eu estava a espera de sentir a motivação para tentar elaborar algo que o VD merece. Porque esta entrevista não pode ser considerada de ânimo leve.

E finalmente hoje senti-me pronto, motivado e capacitado para tentar entrar no mundo Victor Duarte.

21 anos de carreira. 17 trabalhos seja a solo, em grupo e com outras parcerias. Inúmeras participações em inúmeros trabalhos de outros, inclusive com MC´s de outros países, sendo um dos mais conhecidos o Rapadura, que dispensa apresentações. Já trabalhou com os mais talentosos produtores e beatmakers nacionais. Ou seja, estamos a falar de um dos mais activos MC´s criolos sem sombra de dúvidas.

E depois da apresentação, vamos começar logo com as perguntas porque estamos todos curiosos para saber mais um pouco acerca deste artista:

  • Antes de começarmos, gostaria de te dar os parabéns por esta bonita carreira, de altos e baixos mas sempre de cabeça levantada. Como mantens a motivação para continuar mesmo depois de tanto tempo e sem o devido reconhecimento financeiro?

Obrigado Telmo. Olha eu mantenho-me motivado porque gosto mesmo de fazer Rap, de escrever, de gravar, de participar em concertos, etc. Porque acho sempre que posso melhorar e experimentar diferentes maneiras de fazer Rap, mesmo que para os outros pareça igual.

É uma satisfação para mim poder contribuir para a cultura com a qual me identifico e poder expressar o que sinto e penso. O dinheiro sempre é bem-vindo e necessário, mas não é o que me motiva no processo. Acho que a motivação vem naturalmente, quando se gosta do que se faz.

  • Filho de mãe cabo-verdiana e pai cubano, ambos elementos activos da Luta Armada para a Independência de Cabo Verde. Como é que isso influencia a tua vida e a tua escrita?

Tenho orgulho e é uma honra para mim os meus pais teres participado na luta pela independência de Cabo Verde. Se não fosse por essa luta, eles não se teriam encontrado, e logo eu não teria nascido. Faz parte de minha história, mas não sei o quanto isso influenciou a minha vida, a minha maneira de ser ou a minha escrita. Talvez na escrita, no sentido das reflexões sobre justiça social, igualdade, independência em relação ao imperialismo ou sobre questões políticas. Talvez na maneira como vejo o mundo ou com qual sistema político e social me identifico mais, mas não sei ao certo.

  • Conhecendo-te deste a tua chegada a Cabo Verde, achas que essa influência dos teus pais, na tua forma de pensar e na tua visão do mundo, apenas se manifestou mais tarde em ti? Porque não há como negar que em mais jovem, não tinhas esta visão tão aglomeradora e tão realista do mundo e das suas diferenças.

Não, não tinha. Manifestou-se bem mais tarde. A minha forma de pensar e visão do mundo, é consequência directa do tempo, das minhas vivências, do meu caminho, da minha procura de informação e conhecimento, das minhas falhas e acertos e da minha maneira de ser.

Como mencionei antes, não sei quanto essa parte da história dos meus pais me influenciou. Eu ouvi histórias que eles contaram sobre esse período, também vi fotos, mas não é algo que de que eles falassem o tempo todo. De vez em quando falavam de alguma lembrança, mas não era algo assim tão frequente. Então, saber que meus pais participaram da luta pela independência de Cabo Verde, era algo natural para mim. Eu so vim entender o valor e importância disso já adulto.

  • Quando foi que sentiste em ti esta vontade de escrever acerca do teu mundo e do mundo que te rodeia? Ou só sentiste esta vontade depois de começares a levar mais a sério o Hip Hop?

Não me lembro exactamente em que momento foi, mas foi bem antes de eu começar a rimar à frente de outras pessoas, antes mesmo de gostar tanto de Rap e sem dúvida antes de levar o Hip-Hop a sério.

  • E hoje? Sentes que seres Psicólogo de formação, te dá mais ferramentas para a tua escrita?

Talvez sim. Novos conhecimentos sempre ajudam de alguma forma. Talvez a ter mais compreensão, empatia ou profundidade para escrever sobre certos assuntos, embora não seja preciso, nem necessário, ter um curso académico ou estudar Psicologia para fazer isso.

  • Fiz as contas e tens mais tempo fora de Cabo Verde que em Cabo Verde. Isso demonstra claramente que ser cabo-verdiano é muito mais do que estar fisicamente em Cabo Verde, porque não há ninguém que te acompanhe que duvide da tua "criolidade". É mais um sentimento, uma forma de estar e de sentir as coisas, às vezes até com mais "sentimento" e "força" do que quem está lá. Concordas com esta minha ideia?

Sim, acredito que é mais um sentimento. Acho que cada pessoa é criol à sua maneira, e demostra a sua "criolidade" do seu jeito. Também concordo que muitas vezes sentes com mais força essa "criolidade" quando estás longe de Cabo Verde, por causa da saudade. Começas a valorizar coisas que talvez quando estavas em Cabo Verde nem reparavas ou nem valorizavas tanto.

  • E o apoio dos teus pais na música? Sempre existiu ou houve alguma altura em que fizeram força para parares com isso?

Nunca fizeram força para eu parar. Apesar de no início eles não entenderem o que eu estava a fazer e, por isso, não me encorajaram nem me incentivaram nessa direcção. Eles sabiam que eu fazia Rap, mas não era um assunto que eu comentasse muito em casa. Eu lembro-me que eles até achavam irritante eu ouvir o mesmo tipo de música o tempo todo e nem gostavam de Rap. Mas também não me estorvaram, nem me pediram para parar de fazer Rap. Hoje em dia até gostam e apoiam um pouco. Às vezes falam algo do género: "ouvi a tua música no rádio" ou "tal pessoa me falou na rua que gosta muito das tuas músicas".

  • Muitos não sabem, mas até hoje tenho muitas e boas recordações nossas a palmilhar São Vicente, à procura de cassetes virgens para gravar CD's de Rap que ouvíamos durante horas no meu quarto ou no teu. Posso considerar que a tua iniciação no Rapfoi entre 95 e 98, ou trouxeste alguma coisa de Cuba?

(Nota: Para os que não sabem, o VD foi viver para Cabo Verde em 94, começando por viver em Ribeira Bote, passando depois para Maderalzinho. A maior parte destas cassetes foram gravadas para nós pelo grande Marco Silva AKA Barneys.)

Em Cuba eu já tinha ouvido um MC portoriquenho chamado Vico-C e também os Kriss Kross, mas foi mesmo em Cabo Verde que fiquei viciado em ouvir Rap e comecei a entender melhor a cultura Hip-Hop. Então sim, podes considerar que foi entre os anos 95 e 98.

Pois, o Barneys morava bem perto de onde eu morava em Maderalzinho, então eu ia lá para ele me fazer cópias dos novos CD's de Rap que ele trazia dos Estados Unidos.

Mas tenho que mencionar também o Henrique Morazzo, o Ikke do Alto-Miramar. Esse foi meu grande fornecedor de CD's de Rap. Ele emprestava-me os CD's e eu gravava em cassetes. Se eu tive algum educador ou influenciador musical na área do Rap, esse foi o Henrique Morazzo, já que para além dos Cd's, ele me passava muito conhecimento sobre Rap, e me emprestava, ou às vezes até me dava, as famosas revistas de Rap "The Source". Tenho muito a agradecer-lhe nesse sentido.

Também tenho de mencionar o nosso primo Gilson Modesto, com o qual já passei muitas horas a ouvir Rap. A primeira vez que ouvi Cypress Hill e Wu-Tang-Clan, por exemplo, foi com ele. O Gilson também era amigo de um MC chamado Element-D, então ele me levava para a casa do Element-D em Ribera Bote, e ouvíamos o que o Element-D sugeria.

  • E já agora, o 1º CD de Rap Criolo que ouvi... ouvimos juntos, foi o Cabo Funk Aliance. Ainda te recordas disso? Qual foi o impacto que achas que esse CD teve em ti na época?

Sim, lembro-me bem desse CD, até porque também foi o primeiro CD de Rap Criol que ouvi. O CD tinha uma sonoridade diferente do que até então eu tinha ouvido no Rap Criol.

Quando me emprestaste o CD, ele passou algum tempo em repeat lá em casa. Naquela altura eu nem podia imaginar que um dia iria fazer Rap, e muito menos que um dia iria rimar numa mesma música, nem fazer parte do mesmo video musical que o Eddy Fortes, um dos integrantes dos Cabo Funk Alliance. Também tive a oportunidade de conhecer o Jay-B, outro integrante do grupo, e numa das últimas vezes que estive em Rotterdam, tive a honra dele me oferecer esse CD "Hoje É quel Dia", mais de 20 anos depois.

Não lembro com exactidão, mas acredito que o impacto foi mesmo a novidade de poder ouvir um CD de Rap Criol, já que nessa altura somente tinha ouvido CD's de Rap em inglês, e sem dúvida a linguagem irreverente e sem receios que utilizavam. Sempre vou ter boas lembranças desse CD.

  • Em 99 fui para o Brasil e aí perdemos o contacto por algum tempo. E foi depois disso que entraste mais forte na cultura e começaste a rimar. Todos referem apenas a tua história com o KGB Squad, mas sei que antes disso começaste a brincar de MC com o nosso primo Gilson Modesto. Podes contar um pouco desse tempo e dessas brincadeiras? Foi nessas brincadeiras que percebeste que tinhas jeito ou ainda não?

Ainda não. O Gilson e eu fazíamos concertos imaginários de Rap lá no meu quarto, sobre músicas do Wu-Tang-Clan 😊. Era bem divertido, e tanto o Gilson como eu entrávamos mesmo na viagem. Éramos os MC's mais malucos do planeta, mas somente ele eu sabíamos disso. Hahaha!!! Mas eu acho que percebi que tinha algum jeito muito tempo mais tarde, quando mais pessoas me ouviram a rimar. Acho que o Joelson Duarte e o Paulo Lizardo, 2 amigos com os quais sempre andava, foram os primeiros a achar que talvez eu tivesse algum jeito.

Depois conheci o Sandro Duarte, o Wild Angel, do grupo de Rap Wild Mindz. Ele achou que eu tinha algum jeito para rimar e convidou-me para ir fazer as minhas primeiras gravações na casa do E.J, integrante do grupo de produtores Beat Wizard que, diga-se de passagem, revolucionaram o Rap Criol.

  • KGB Squad. KGB Squad. O meu duo preferido no HHC que começou como uma Tripla, passando depois para um quarteto, mas que gravou o 1º trabalho como um duo.Lol!! É complicado explicar o início dos KGB Squad ou nem por isso?

Lol!! Talvez nem por isso. O KGB Squad foi formado originalmente por Joelson Duarte - o "Makarov", Paulo Lizardo - o "Gerri" e por mim. Nessa primeira fase, o Gerri fazia beatbox e o Makarov e eu fazíamos free-style, e era algo somente entre nós e amigos mais próximos. O Nelson e eu já nos conhecíamos desde os nossos 13/14 anos, desde o tempo em que eu morava em Ribeira Bote e ele em Monte Sossego, mas foi só mais tarde, quando ambos já éramos moradores de Maderalzinho, que começamos a circular mais juntos. Ele também gostava muito de Rap, e como morávamos perto e tínhamos uma boa amizade, falámos em fazer um grupo de Rap chamado "Perturbação Zona Norte". Mas com o tempo achei mais facil que o Nelson entrasse para os KGB Squad, já que ele também era amigo do Makarov e do Gerri.

O Gerri e o Makarov foram-se afastando aos poucos do grupo, por causa de outras ocupações, enquanto eu e o Nelson estávamos a cada dia mais envolvidos no projecto de lançar um trabalho musical como grupo.

E foi assim que KGB Squad ficou uma dupla. Existe apenas um registo de gravação, onde o Makarov participou, e foi no track "Virus d Sociedad". Primeiro track que gravámos para o nosso primeiro álbum, "Labirint Psiclógic".

  • Se pudesses explicar o que significa o KGB Squad, como o farias?

As siglas K.G.B, quando éramos 3, começaram por significar Kaya Man, Ganja Man, e Blunt Man. Com a entrada do Nelson Graça mais tarde, e já uma dupla, as siglas passaram a significar Kaya, Grog and Bitches. Com o passar do tempo, ganhámos mais idade, outras vivências, mais consciência, responsabilidade e maturidade, e por isso, as siglas passaram a significar, Karma de Gente do Bem.

Para mim KGB Squad significa uma parte da minha vida e da minha história. Eu já não sou a mesma pessoa, nem tenho as mesmas vivências, nem faço as mesmas interpretações ou tenho todas as mesmas opiniões da realidade e da vida que tinha quando o grupo começou há 21 anos atrás. Muita coisa mudou. Aprendemos muito desde então, e continuamos aprendendo.

Hoje em dia, não concordo necessariamente com tudo o que fiz, nem com tudo o que rimei nos meus começos, embora também tenha rimado muitas coisas, das quais até hoje me surpreendo, concordo e me orgulho. Fazem parte da minha história, do meu caminho e aceito-as do jeito que foram, sem romantizar, esconder, adoçar e sem negar nenhuma parte.

Acho que sempre fomos honestos com a caneta e o papel, porque rimámos o que sentimos, o que vivemos e o que pensámos. Mas ainda bem que algumas coisas mudaram, que podemos ter hoje algumas opiniões, ideias ou noções diferentes das que tínhamos. Também diferentes atitudes perante a vida, perante nossa realidade e igualmente outras vivências que nos fizeram ver algumas coisas de forma diferente, mas ao mesmo tempo várias convicções, valores e princípios se mantiveram.

  • Nelson Graça. Muitos referem-se a amigos que são como irmãos de outras mães. No vosso caso, eu digo que vocês são mais que isso. Vocês são gémeos de mães diferentes, porque só isso explica a vossa amizade, cumplicidade e amor que têm um pelo outro. Esta amizade explica-se ou sente-se? Porque é difícil explicar a vossa amizade, já que vivem em continentes separados há quase 20 anos.

Não sei se dá para explicar ou se na verdade se pode explicar muito facilmente.

O Nelson e eu sempre nos demos bem. Ele é uma pessoa bem tranquila e fácil de se conviver na minha opinião. Temos vários interesses em comum. Compartilhamos, em muitos aspectos, os mesmos valores, princípios e visões sobre o mundo e a vida. Sempre soubemos comunicar um com o outro e, o mais importante, de uma forma honesta.

Ele sabe que pode confiar em mim em qualquer questão sem julgamentos pelo meio, e eu a mesma coisa. Podemos falar abertamente o que pensamos. Nem sempre concordamos, mas eu acho que sempre existiu um entendimento e empatia em relacão à opinião do outro.

  • Como é o vosso processo criativo enquanto KGB Squad, já que dos 4 álbuns, o único em que estiveram fisicamente juntos a 100% foi no 1º?

Olha a internet ajudou muito. Mas sem força de vontade e compromisso, os 3 últimos álbuns não teriam sido possíveis.

O primeiro gravámos totalmente juntos. O 2º à distância, o 3º começámos a gravar juntos em Rotterdam quando nos encontrámos lá em 2012, mas terminámos as restantes gravações à distância, e o 4º foi tudo à distância.

Quando estamos distantes falamos pela internet sobre os temas que queremos abordar, escolhemos os beats, e cada qual faz a sua parte. Mas mesmo à distância muitas vezes, como nos conhecemos tão bem, já sabemos exactamente o que fazer no som para complementar um ao outro, sem necessidade de falar sobre isso.

  • E sendo o Nelson uma presença assídua em quase todos os teus álbuns a solo, ele costuma opinar/ajudar/aconselhar durante os teus próprios processos criativos? Ou apenas lhe apresentas o álbum quando já está em fase final de produção?

Normalmente apresento o álbum quando está em fase final. Então ele ouve e dá a sua opinião. Posso-te dizer que ele é o meu maior crítico. Ele é o meu maior apoiante e ao mesmo tempo o meu maior hater, hahahaha!!! E olha, eu acho isso extremamente necessário.

Eu não quero ter ao meu lado uma pessoa que concorda sempre comigo, que gosta de tudo o que eu faço ou diz sempre que o que fiz está bom. Eu quero ter por perto alguém que fale quando o trabalho ficou bom, mas que também fale quando acha que não está. Alguém que fale com sinceridade o que pensa. Somente assim se pode melhorar. Às vezes eu concordo com as críticas que ele faz, e outras vezes não concordo, mas mesmo assim sempre ouço. Algumas vezes até eu nem acho que o trabalho tenha ficado assim tão bom, e é ele que me faz ver as coisas boas, o valor e os pontos positivos desse mesmo trabalho. Eu acho que às vezes ele gosta de algumas músicas minhas mais do que eu mesmo.

  • O Rap é conhecido como um meio ultra competitivo, onde todos tentam ser melhores que os outros. Isso faz com que de tempos a tempos surjam os chamados "beefs" entre artistas. Isso acontece em todas as partes do mundo, inclusive em Cabo Verde. Achas que por ser um meio mais pequeno as cenas acabam por ser mais às escondidas, já que as pessoas todas se conhecem ou é igual?

Sim, talvez às vezes os conflitos fiquem mais escondidos pelo motivo que falaste, mas não sei ao certo. Como mencionaste, o meio é mais pequeno, mais próximo, as pessoas mais cedo ou mais tarde vão-se encontrar, e quando acontece algo assim todo mundo se inteira e todo mundo fala ou fofoca sobre isso, então o "abolt" fica maior, por causa do lugar ser tão pequeno. Mas como já sabes, mesmo assim também existiram conflitos que não ficaram nada escondidos.

  • Tu és um raper que já fez featuring com MC´S de "Sintanton a Brava"(se faltar MC de alguma ilha peço que me corrijas). Isso faz com que sejas um dos MC´s mais "inclusives" de Cabo Verde. Achas que o bairrismo tem muita culpa da cultura não estar mais evoluída do que está? E como achas que podemos ultrapassar essa questão que não faz sentido, já que prejudica a todos?

Falta MC's de Maio, Brava, Fogo e acho que Boavista também, lol! Mas sim, tenho uma boa quantidade de participações em trabalhos de outros colegas, e isso me agrada muito. Vamos ver se no futuro é possivel colaborar com MC's das ilhas que faltam.

Para mim, todo tipo de bairrismo prejudica a evolução de uma nação ou movimento em geral, mas não sei até que ponto isso tem prejudicado a evolução do Rap Criol. Eu acho que a maioria dos MC's representam a sua realidade, seu entorno , ou seja, a realidade e o que vivem na sua ilha.

Eu realmente não tenho visto muito bairrismo entre pessoas no Rap Criol, talvez porque não ter o total conhecimento por não morar em Cabo Verde. Embora eu saiba que existem algumas pessoas que fazem Rap Criol e alguns "ouvintes" que estão "doidinhos" para o circo pegar fogo nesse sentido. Então não posso falar com exactidão se o bairrismo tem muita culpa da cultura Hip-Hop não estar tão evoluída como gostaríamos em Cabo Verde.

O que tenho percebido sim, e posso estar enganado, mas é o que me parece, é que o Rap feito no criol que se fala na capital recebe mais atenção e tem mais impacto e adesão de público que o Rap que é rimado no criol de barlavento. E isso sem tirar o mérito e a qualidade dos trabalhos de Rap que têm saido na capital ou em criol de sotavento. Isto não acontece somente em Cabo Verde, em Portugal também é mais forte, no meu entender. Sei de MC's que fazem Rap em criolo de Sotavento em Portugal, mesmo que tenham nascido ou sejam descendentes de ilhas onde se fala o criol de Barlavento. Nada contra. Apenas constatei que talvez para eles a música abrangerá mais público e causará mais impacto, se for rimada no criol de Sotavento. Mas existe também a possibilidade deles gostarem mais de fazer Rap no criol de Sotavento, e estão no seu direito. Nada contra como referi antes.

É isto não é um fenómeno exclusivo de Cabo Verde. Fazer Rap nas capitais, ou no sotaque das capitais ou das cidades onde está o dinheiro, no caso do Brasil por exemplo, Rio de Janeiro e São Paulo, sempre vai atrair mais atenção e atingir mais ouvintes, seja em que país for, existindo claro algumas excepções. É assim que as coisas funionam, e não estou aqui a colocar-nos como vítimas. Devemos continuar a trabalhar duro e a melhorar ainda mais, se queremos que o Rap das nossas ilhas receba mais atenção ou mais destaque, e isso envolve também um maior apoio do nosso própio público.

Também tenho visto que os MC's têm representado e mostrado amor pelo Rap das suas respectivas ilhas, e não vejo problema nisso, já que mostrar amor ou representar tua ilha não significa que estás a ofender ou menosprezar o Rap feito nas outras ilhas. Mas na minha percepção, também existe um pouco de receio quando indíviduos do Mindelo mostram amor ou exaltam o Rap feito na ilha de São Vicente, já que algumas vezes são catalogados de arrogantes, soberbos ou bairristas, e não deveria ser assim, já que rappers de outras ilhas fazem o mesmo em relação ao Rap feito na ilha deles.

  • Como referi inicialmente, tens inúmeras participações com inúmeros MC's, sejam eles da Nova Escola ou dos mais antigos no movimento. Sendo que a Internet é uma das melhores ferramentas para a aproximação de um artista, é das ferramentas que os teus colegas utilizam para pedir um featuring? Ou normalmente vêm por indicação de amigos teus?

A internet é sem dúvida a ferramenta que meus meus colegas mais utilizam para pedir o featuring pelo facto de eu morar distante, na Dinamarca.

Pode acontecer também que um amigo me convide para entrar num som com ele, mas no som também entrem amigos de quem me convidou, então também poderíamos dizer que o feat com as outras pessoas surgiu por indicação de amigos.

  • E qual o critério que usas para aceitar ou recusar uma parceria? A forma de aproximação da pessoa, quem o referencia, o tipo de trabalho do mesmo ou é uma junção de tudo isso e mais outras cenas? Podes explanar um pouco acerca disso?

Acho que é uma juncão de tudo isso e mais outras cenas. A forma de aproximação, claro, é muito importante, sobretudo se nunca me encontrei pessoalmente com a pessoa ou se não conheço o trabalho dela. Existem pessoas que realmente não sabem como se aproximar, acham que se estão a rebaixar ou algo do tipo, quando não tem nada a ver. Acho que ninguém se rebaixa querendo colaborar com outro para acrescentar algo de positivo ou complementar seu projecto. Já outras pessoas sabem bem como falar tranquilamente para sugerir o featuring.

Se não conheco o trabalho da pessoa, peço para me mandar algo do seu trabalho para eu escutar. Se já conheço o trabalho da pessoa, melhor ainda.

Mas olha, se a pessoa chegar tranquilamente e educadamente e me convidar para participar numa música com ela, se me propuser um bom tema e apresentar um beat do meu gosto, participo na música sem problema nenhum. Não me importa se a pessoa seja conhecida ou não, pode ser até o artista menos conhecido de Cabo Verde. Não me importa tambem de qual ilha é, não me importa se é crente em Deus ou ateu, se é mulher ou homem, ou se ja fez outros estilos musicais.

As vezes em que não participei em músicas em que fui convidado, foi porque a pessoa que me convidou tem ou teve algum problema por resolver com algum integrante do colectivo de que faco parte, Lod Escur. E não é uma questão de ter de perguntar a alguém do Lod Escur ou pedir permisão para participar na música ou não, porque no Lod Escur ninguém manda, nem ninguém fala para o outro o que deve fazer. É apenas senso comum, empatia, se colocar no lugar do outro e ter respeito pelos seus sentimentos. Pois neste caso o outro é alguém com quem convivi muito e que está comigo, a apoiar-me e ajudar-me desde que comecei o meu caminho no Rap. E também sei que não vou ter problemas com algum integrante do Lod Escur se decidir participar na música, porque eu sei bem o que ele ou eles vão falar. E será algo do tipo: "Mano se é bom para ti e tens interesse, vai em frente e participa, não te quero atrapalhar, mas obrigado por me teres em conta". Eu sei bem, porque sem mencionar nomes, isso até já aconteceu.

Quando alguém que tem ou teve problemas por resolver com algum ou alguns membros do Lod Escur me convida para participar num som, primeiro eu trato de me informar bem para saber qual foi o problema, porque às vezes eu nem soube o que aconteceu. Mas no final eu mesmo tomo a minha decisão, mesmo que o integrante do Lod Escur diga que não tem problemas. Eu sigo a minha consciência e os meus valores, e lealdade é um valor que eu gostaria de manter, e eu sei que os outros integrantes do Lod Escur fariam o mesmo por mim.

E também não é uma questão do inimigo do meu amigo ser meu inimigo. Pessoas com problemas com alguém de Lod Escur não são necessariamente minhas inimigas, nem eu as vejo necessariamente como tal. É apenas alguém com quem provavelmente não vou fazer colaborações, nem me vou associar, porque como referi, às vezes nem sei o que aconteceu.

Os integrantes do Lod Escur têm suas próprias vidas e vivências, e se eles tiveram um problema pessoal com alguém, eu até poderia achar que eles estão errados na situação, já que nem eu nem ninguém no Lod Escur é santo, e não é por isso que me vou associar, nem fazer música com a pessoa com quem eles tiveram o problema, porque mais do que integrantes do mesmo colectivo, do qual faço parte há 20 anos, considero as pessoas do Lod Escur meus amigos, meus irmãos, pessoas com que tive anos de convivência, pessoas com quem posso falar se tenho algum problema privado e que vão estar lá para me apoiar. E se por acaso eu tiver alguma crítica sobre como eles agiram no conflito com a outra pessoa, vou falar com eles em privado, nunca em público, nem à frente da outra pessoa. Da mesma forma vou apoiá-los sempre em tudo, na medida das minhas possiblidades.

  • Cuba (criança) - Cabo Verde (adolescência) - Brasil (jovem adulto) - Dinamarca (adulto). 4 Países, 4 realidades. Tu és o resultado de todas estas experiências. Podes resumir como cada um destes países te influenciou para seres o homem que és hoje?

Difícil. Não sei se poderia resumir tudo. Mas sem dúvida cada uma dessas realidades diferentes me influenciou para ser a pessoa que sou.

Cuba - Deu-me a experiência das dificuldades e da escassez económica e material, de viver num regime onde não se pode falar o que se pensa, onde tudo é controlado, e de ver um povo sofrer, ao ponto de se lançar ao mar em pneus ou embarcações super precárias para fugir do país. Mas também me deu a coragem de encarar o desconhecido, o amor pela leitura, a música e o desporto. De ter a esperança ou o optimismo, de lutar e fazer o melhor que se pode mesmo com poucos recursos.

Cabo Verde - Fez-me encarar a dificuldade da adaptação a uma nova realidade, de aprender a falar um novo idioma, embora fosse o idioma da minha mãe. De ter de me integrar num novo meio. Me deu também, pela primeira vez, o duro sentimento de me sentir distante e sozinho, mesmo estando rodeado de pessoas, e também o sentimento da saudade, por mais paradoxal que possa parecer. Mas também me fez reconectar com minha ancestralidade, com um lado da minha origem, com um lado da minha familia, neste caso minha família materna. Deu-me o Hip-Hop, amigos que vou levar para toda a vida, e me deu um futuro mais próspero.

Salvador de Bahia, Brasil - Lá conheci o racismo estrutural, as agressões policiais, as favelas, o perigo das ruas e das noites cheias de drogas e más companhias. Mas o Brasil também me ensinou a sobreviver sozinho e a perseverar nos momentos mais difíceis. Me fez conectar com a minha espiritualidade, com a minha alma, com a minha conciência enquanto ser. Fez-me uma pessoa mais preparada para a vida. Deu-me também mais consciência política, social e étnica. Deu-me um curso de psicologia e o mais importante, lá conheci a minha mulher e mãe dos meus filhos.

Dinamarca - De novo me deu o desafio da adaptação a uma nova cultura, e desta vez ainda mais difícil. Fez-me novamente aprender um novo idioma e trouxe-me as dificuldades de sobreviver numa nova realidade. De novo me fez sentir o racismo estrutural e encarar as dificuldades do emigrante. Mas apesar disso, também me deu um lar, um trabalho, uma estabilidade, e o mais importante, me fez pai e marido. E isso, sem dúvida, me mudou e influenciou como pessoa.

  • Como MC, é muito enriquecedor para mim ouvir os teus álbuns lançados enquanto vivias em Cabo Verde (apesar de oficialmente o Labirint Psicologic ter sido lançado após a tua partida para o Brasil, todo o álbum reflecte o teu "eu" cabo-verdiano), no Brasil e agora na Dinamarca. Porque eu consigo perceber claramente que tu não escreves como um cabo-verdiano mas sim como um cabo-verdiano inserido na tua sociedade. Isso faz parte de ti, observar e ter empatia pelos que estão ao teu lado ou foi apenas consequência do teu crescimento como pessoa?

Acho que é uma junção das duas coisas. É importante ter empatia para colocar a tua mensagem numa perspetiva que os outros possam reconhecer ou reflectir sobre ela, mas também com o tempo vais crescendo, adquirindo novas experiências e vivências, conhecendo diferentes pessoas, diferentes culturas e sobretudo observando-te a ti próprio. Assim vais-te entendendo melhor e percebendo onde precisas de trabalhar como pessoa, para assim também entenderes melhor a perspectiva dos outros.

Eu acho também que é quase inevitável não escrever sobre o meio em que habitas, porque o meio sempre influencia os teus pensamentos, o teu humor e o teu comportamento. É dificil, embora não impossível, isolares-te do meio que te rodeia.

  • O Blog lançou uma "crónica" onde homenageia a tua família, os Lod Escur, pelos seus 20 anos. Como tens acompanhaste esta "crónica"? Achas que fomos "justos" na nossa listagem?

Fiquei muito feliz com a homenagem feita aos Lod Escur, e acompanhei com satisfação e alegria a homenagem através do teu Blog. Acho que o colectivo Lod Escur merece.

É um colectivo que já lançou 39 trabalhos de Rap, 35 deles de Rap Criol. Temos trabalhado e muito pelo Rap Criol e pela sua divulgação. Provavelmente somente Harmonia tem lançado mais trabalhos do que nós, sendo que eles abrangem diferentes estilos musicais, e sendo que nós somos uma label totalmente independente.

Sobre se a listagem foi justa ou não, isso deixo para os ouvintes. Deixaste bem claro que era o teu gosto pessoal e gostos musicais eu não discuto. Só tenho a agradecer o teu tempo e consideracão com o nosso colectivo.

  • Achas que falta mais reconhecimento ao trajecto dos LE, ou vocês sentem que têm o reconhecimento mais importante, que é o respeito do vosso público?

Acho que muitas pessoas não sabem a história, o trajecto ou o trabalho que o Lod Escur tem feito, tanto na música como na influência que teve sobre a geração que veio depois. E também em como de alguma forma também moldou o Rap Criol no Mindelo. Nem sobre a realizacão de actividades sociais que os integrantes do Lod Escur têm feito em prol de nossa comunidade. Mas sem dúvida ter o reconhecimento do nosso público é o mais importante.

  • Conotados como gangsters e bandidos. Na vossa pior época, meados dos anos 2000, quando foram atacados por todo o lado e tu estavas no Brasil. Imagino que para ti foi mais difícil ver isso de longe, porque não conseguiste apoiar mais os teus "irmãos" de luta. Como foi viver isso de longe?

Sem dúvida. Eu estava mais em contacto com o Nelson. Era ele quem me informava. Não foi nada agradável ouvir as coisas que aconteceram, pois acredito que vários integrantes do Lod Escur estiveram em perigo, por causa de conflitos com pessoas fora da música, por isso precisaram de se defender, e então talvez por isso a fama de gansters. Também não foi facil ouvir músicas nas quais se mencionavam, de forma hostil, pessoas pelas quais tinha um sentimento de amizade e respeito ou o nome do colectivo do qual faço parte.

  • Pessoalmente, do que acompanhei dessa fase, posso dizer que raramente vi alguém a atacar-te. Isso deveu-se ao estatuto que já tinhas na época enquanto MC ou foi consequência directa de não estares em SV na época e,por isso, não fazia sentido.

Não sei ao certo responder a essa pergunta. Talvez não tenha sido mencionado por não estar em SV na época, e também com o tempo o Nelson e eu reparámos que muitas pessoas desconheciam que nós fazíamos parte do Lod Escur, embora tenhamos sido dos 5 grupos que iniciaram ou deram origem ao Lod Escur. Fazemos parte do Lod Escur desde o primeiro segundo da sua criacão.

  • Depois da mesma forma que começou repentinamente essa fase beligerante, em que vocês se viram envolvidos, acabou. Posso dizer que foi uma morte silenciosa dessa época. Esse fim foi algo trabalhado ou o tema morreu por si mesmo?

Acredito que morreu por si mesmo. O tempo passou, Mindelo é pequeno, todo mundo mais cedo ou mais tarde se encontra, e as coisas foram arrefecendo. Mas acho que outros integrantes de Lod Escur podem-te informar melhor sobre isso.

  • Uma das minhas maiores impressões é que na época as culpas caíram nas costas dos LE. E como nunca vos vi a contar publicamente a vossa versão dessas confusões, vocês acabaram por "assumir" indirectamente esta culpa perante a opinião pública. Existe algum arrependimento acerca disso ou ainda acreditam que foi a decisão mais acertada?

Se te referes ao "beef" musical, acho que o que aconteceu é que algumas pessoas que faziam Rap Criol há mais tempo e eram vistas com mais respeito pela comunidade da nossa ilha, culparam o Lod Escur pelo conflito, e por consequência, uma parte do público se posicionou de alguma forma contra o Lod Escur.

Nos éramos mais jovens, mais "desbocados", mais irreverentes e mais imprevisíveis. Ficou algo tipo: A "velha guarda" contra os putos malcriados que não respeitavam as regras nem a hierarquia, e morando numa sociedade conservadora como a nossa, era ainda mais mal visto.

Acredito também que essas tensões já existiam antes do dito "beef". Acredito que já existiam desde o tempo em que o Nelson e eu ainda estávamos em Cabo Verde, só que essas tensões estavam mais controladas diplomaticamente ou camufladas nessa época.

Apesar de muitas pessoas nos terem culpado, não fomos nós que demos início ao que mais tarde aconteceu publicamente. As primeiras "diss tracks" do Lod Escur foram respostas a uma música onde um integrante do Lod Escur era mencionado, e não de uma forma gentil. Então, pelo facto desse integrante do Lod Escur nunca ter feito nenhuma música mencionando o nome ou atancando alguém da "velha guarda", ou sequer alguém do Rap Criol, os outros integrantes do Lod Escur em solidariedade ou por lealdade, vieram em sua defesa por sentirem que não era justo ou apropriado que ele fosse desafiado ou mencionado com hostilidade numa música. Acho que oficialmente ou publicamente tudo começou ali.

Hoje em dia acredito que talvez não tenha sido a decisão mais acertada não nos termos posicionado publicamente sobre o que aconteceu, porque, como referiste, muitas pessoas culparam o Lod Escur pelo que aconteceu. Devíamos sim, termo-nos posicionado melhor, ou ter dado a nossa versão pública dos factos depois que tudo ter terminado e não o fizemos. Acho que não queríamos trazer mais problemas ou lavar mais roupa suja em público, originando ainda mais conflitos no Rap Criolo.

Acho que nos dias de hoje o problema está aparentemente ultrapassado, os participantes do conflito acho que já falaram, alguns até convivem e colaboram juntos e acho que os desentendimentos foram superados.

Espero que continue assim, porque é o melhor para o Rap Criol, que é maior do que nós todos. Não precisamos sempre de concordar com a opinião ou a postura do outro, nem ser melhores amigos de todo mundo, mas o respeito, o entendimento e a comunicacão devem prevalecer.

  • E para quando um novo trabalho deste colectivo? Já não acham que está na hora?

Acho que já está na hora. Há pouco tempo estava a falar com o Nelson e com o Hu-Reincarnado sobre isso. Agora é colocar mãos à obra.

  • Vais completar no mês de Julho, a bonita idade de 40 anos. Mais de metade da tua vida, dedicados ao Rap Criolo. Ainda sentes força para mais uns quantos anos ou a cada dia sentes que estás mais perto de reformar o "MIC" e deixares a pista para os mais novos?

Cada dia sinto que estou mais perto de reformar o "MIC", por causa de compromissos familiares e laborais. Acho também que já dei meu contributo. 4 Álbuns com meu grupo KGB Squad, 6 trabalhos a solo, 5 trabalhos em colaboração com os beatmakers, Ghost Killer, Ety, Marley Lima, TheFunkMan e 1 trabalho em colaboração com o Expavi. São 16 projetos, fora a boa quantidade de participações que fiz em projectos de outros camaradas. Então acho que aportei o meu grão de areia e estou muito feliz e satisfeito com o meu trajecto no Rap Criol. Embora ainda sinta vontade de fazer mais, também sinto que é a vez dos mais novos, e a eles desejo muitos sucessos, muita paz, força de vontade e sabedoria para elevar ainda mais e manter vivo o Rap Criol.

  • Sem sombra de dúvida que és dos que ajudaram a pavimentar o caminho para esta nova safra de talentos que está a surgir. Sentes que o futuro do Rap Criol está garantido?

Acredito que sim, tenho visto muito talento, diversidade e bons trabalhos feitos pela nova geração. Eles estão levando o Rap Criol a outro nivel.

  • Eles têm claramente um caminho mais fácil que a tua geração teve a todos os níveis. Apesar disso, eu acho que a concorrência entre eles é muito mais brutal que a vossa. Porque na vossa época eram muito poucos a gravar e por isso talvez fossem mais unidos. Hoje estamos um pouco cada um por si, Deus por todos. O que achas que um MC precisa desenvolver para se destacar no panorama actual?

Para se destacar, claro que ele primeiro deverá ser diferente, ter sua própria marca que o distinga, ter um estilo próprio ou algo que o caracterize ou seja original. Algo que chame a atenção dos ouvintes

Mas para se manter relevante ou seu trabalho se manter ao longo do tempo, ele deve ter talento, dedicação, disciplina, persistência e acreditar na mensagem que transmite. Também deve estudar e abordar temas que não foram abordados, ou abordá-los de forma diferente. Fazer boas conexões com seus colegas. Criar um público fiel.

Mas olha, existem outras estratégias alternativas, as quais eu não recomendo, como por exemplo, fazer declaracões difamátorias, espalhar fofocas, inventar histórias maliciosas, fomentar intrigas ou proferir ofensas nas letras ou nos pronunciamentos, desafiar os colegas, etc. Como mencionei, estas estratégias eu não recomendo, mas o facto é que quase nunca falham, pois com certeza a pessoa não vai passar despercebida. Lol!!!

  • Outra crítica que tenho desta geração é eles rimarem mais o "indíviduo" e menos a "sociedade", mas também sei que isso é a própria consequência da nossa sociedade actual. Achas que é necessário sairmos mais do nosso próprio mundinho e começar a olhar para nós enquanto sociedade, para podermos mudar o mundo que vamos deixar aos nossos filhos?

Acho que sim. Devemos sair da nossa zona de conforto e tentar entender o ponto de vista do outro, assim como entender que fazemos parte de um todo que é maior que nós mesmos, para assim também crescermos interiormente e contribuir para um mundo melhor, no qual nossos filhos irão viver. Mas o que mencionaste antes, o de rimar mais o indíviduo, acho que não é nada de novo. Sempre fez parte do Rap. A internet, Hollywood e outros meios inflamaram e aumentaram o narcizismo e o culto ao indíviduo, mas nada de novo, sempre existiu essa caraterística no Rap, já que sempre houve pessoas que o fizeram.

Esta geração é mais destemida, tem menos limitações e está, como mencionaste, mais globalizada, integrando-se mais facil e rapidamente no que acontece noutros lugares, sobretudo EUA. Vão cometer erros ou desacertos, como todos nós cometemos, e vão aprender com isso. Eu estou optimista com a nova geracão, tenho-me focado apenas nas coisas que gosto e nos trabalhos que acho relevantes, e realmente tenho visto muito talento, diversidade e habilidade nesta nova geracão.

  •  Ainda continuas a aprender todos os dias e procurando conhecimento. É este o caminho para continuarmos a evoluir enquanto pessoas?

Sem dúvida. Temos de estar abertos a novos conhecimentos, pontos de vista, realidades e ter humildade. Como ouvi nalgum lugar: "Ninguém é tão pequeno para não poder ensinar nada, nem tão grande para não precisar de aprender mais".

  • Deixa uma mensagem para os leitores do blog e para todos os intervenientes do movimento, activos ou não.

Para os leitores - Continuem a apoiar o Blog porque não temos muitos meios de comunicação focados no Rap Criol. Apoiar o Blog é também apoiar o Rap Criol.

Para os intervenientes do movimento - Continuem a apoiar e a contribuir para o Rap Criol. Acreditem, sejam fieis a quem são e continuem a elevar o Rap Criol. Vos desejo muito sucesso, coragem, muita paz, muita auto-consciência e reflexão interna, para poderem transmitir uma mensagem verdadeira, profunda ou uma musicalidade original que venha da alma, com o objectivo de contribuir para o vosso bem-estar, o da nossa sociedade e o da nossa nação, mesmo que essa mensagem ou produção, seja por vezes desconfortável ou controversa para algumas pessoas que a ouvem.

  • Meu camarada, para terminar esta longa entrevista, quero apenas pedir que deixes uma mensagem para aqueles que mais perdem por causa da energia que colocas no movimento, nomeadamente a tua família.

Aos meus 4 filhos, a mensagem é que vou sempre tentar ser um pai presente, como tenho sido todos estes anos. Obrigado por me inspirarem, por me darem tanta alegria e tantos momentos de paz e felicidade, por me ensinarem o que é amor incondicional, e por me fazerem praticar a paciência. Obrigado por esta maravilhosa jornada de aprendizagem e auto-descobrimento. Espero que o universo me dê saúde suficiente para poder ver-vos crescer. Jeg elsker jer!

À minha esposa, obrigado por tantos bons momentos vividos, por estes 15 anos juntos, por sempre me apoiar, me entender e ser a minha companheira, a minha confidente e melhor amiga, mesmo nos momentos menos bons. Jeg elsker dig!

E assim chegamos ao fim da entrevista com o VD.

Foi para nós um grande prazer e espero que também tenha sido para vocês que leram.


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